segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

ser passageiro

A curto, médio ou longo prazo somos passageiros de viagem na vida de muitas pessoas. O número é grande e se fechar os olhos e pensar quantas vidas tocaram na minha e em quantas toquei eu... aparecem-me muitos dígitos, como se fosse o tio patinhas. 
De algumas nem da cara guardei memória. Nem do tom de voz. Foram tão breves os instantes. Um olá. Uma conversa de elevador. Um sorriso de cordialidade. Algumas ficaram porque me olharam. E o olhar delas ficou-me. Outras ficaram tanto em mim que ainda sei o perfume que usavam. A risada, a forma de andar ou o que diriam em determinadas situações. Na verdade foram horas. Ou dias. Ou anos que partilhei com elas. As (provavelmente) mais interessantes, ficaram e são passageiros de lugar cativo.

Deixar as pessoas sentarem-se no banco das nossas vidas. Ajeitarem as costas no assento e cruzarem a perna. Trocar olhares, gestos e palavras connosco é umas das coisas que mais gosto. Ideias. Conhecimento. Sentimentos... mas desde que me mudei para Santiago, pelo que vou percebendo, é cada vez mais difícil. Tanto que sinto desconforto em algumas situações. 
E sempre que penso nisto (todos os dias ao almoço) nunca consigo deixar de comparar como foi na Bélgica. E depois de comparar, percebo que sou eu que estou diferente.

Nas boleias que tenho partilhado tenho mantido conversas interessantes. Conheci pessoas que poderiam facilmente ser minhas companheiras de viagem a longo prazo. Amigos. Mas nunca fiz esforços para ficar no banco delas, ou elas no meu.  Tenho só saído agrada da viagem. Como se aquelas duas horas dentro de um carro estranho tivessem valido a pena. Como a sensação de ler capitulo de um bom livro. Rápido e justo.
Há uns dias, numa dessas viagens, isso mudou. Conheci 4 pessoas aborrecidas. Acho que aborrecidas com elas mesmas, sem o saberem. 
Tocaram a minha vida para perceber que não seriam passageiras na minha viagem.

No laboratório tem sido diferente. Tem sido um misto de sensações. Ás vezes sinto-me insegura. Outras é fácil rir e conversar. Quero baixar a guarda e sentar nas cadeiras que existem.. mas parece que não são do meu tamanho... ainda. Ao mesmo tempo tento deixar sentar na minha cadeira de viagem. No meu banco. Estamos todos a testar tamanhos que nos servem. Marcas que queremos deixar. Sair da zona de conforto. Trocar olhares que nos ficam. Temos de sair da zona de conforto e ser passageiros na vida dos outros.



quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Cabo verde - Santiago - Santa Cruz - Pedra Badejo

Foram dez dias de paisagens às quais não consegui associar nenhuma outra. Terra árida e pobre. Picos e montanhas, secos e poeirentos. Plantas magras, de tronco escuro, com a copa verde e folhas firmes. Um pouco como a gente dessa terra. Magra, pobre mas de cabeça erguida e alegre. Trouxe uma mixórdia de sentimentos. Não sei como separa-los nem dizer qual pesa mais. De um lado a alegria de ter estado lá. Ter partilhado histórias. Cultura. Sorrisos e abraços. De ultrapassar a barreira do Crioulo. De o afecto prevalecer no olhar de todos.
Carrego no peito admiração por pessoas simples que dançavam, cantavam e batiam com as mãos e braços fortes em batuques. Que elevavam a alma ao som da batucada cabo-verdiana.
Na outra mão tenho desconforto em saber que ainda existem mulheres escravizadas por homens maus. Que abusam dos sonhos delas. Trago a tristeza de ver pobreza na alma e na vontade. Mais do que não ter tecto, não ter vidros, não ter água quente é ter uma alma pobre. Trago tristeza de não ver horizonte para tantas crianças. Horizonte para mães adolescentes. Para tanta gente. 
Trago o sentimento de que não me posso queixar de mais nada. Sei que isto se vai diluir nos dias. Que vou deixar de o sentir tão presente como agora. Mas quero que fique guardado em mim, para que nunca me queixe que a minha vida não é perfeita. É! A nossa vida é simplesmente fácil e perfeita. Vi-o nos olhares que se cruzaram com o meu. Esses olhos sorriam-me, viam o quanto a nossa vida é fácil. O quanto é perfeita!
Trouxe ainda no coração uma irmã. Pequenina de 1.75m. Frágil e doce. Forte e assertiva. Trouxe a J. Doce e pequenina. Que vai ser grande. Maior! 
Trago a certeza de ter uma afilhada incrível. Com um coração tão grande, como nunca vi. Forte. Lutadora. Bonita. Simples. Que canta, que encanta.  Uma C. que é do mundo e o mundo é melhor com ela.
O resto já o sabia. Os risos imensos do A. que me divertem de uma forma simples e natural. Pragmático e descomplicado. A calma do N. Paciente e inteligente. A perspicácia dele é encantadora. Nos silêncios é capaz de dizer com o olhar tudo com tamanha clareza. É um dom. 
Ás vezes penso como as nossas vidas se cruzaram. Como as nossas idades diferem e somos tão bom juntos. Penso como a minha vida ficou mais rica. O quanto eu sou mais feliz com amizades improváveis. 
Venho de coração cheio. Venho com calor no coração. É um inverno quente que me vai confortar durante muito tempo. Venho com a alma cheia de mar e sorrisos.