quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Podia ser pior

Naquelas alturas que a minha cabeça começa a estalar por não poder processar tudo o que me acontece começo a falar sozinha. A ter diálogos de conteúdo dramático com uma personagem qualquer que preciso de inventar. Normalmente é um homem, bonito, de aspecto hollywoodesco e no qual defino uma personalidade amena, que me agrade. O homem da minha vida. Mas impossível, quase platónico. Como todas os casos amorosos que experienciei ate hoje. Conto-lhe o que não entendo. Abro-lhe o meu coração e muitas vezes choro pela injustiça que sinto em ser diferente das outras mulheres. Nunca entendo porque me sinto diferente e tantas vezes inferiorizada. É um sentimento meu, parvo porque lá no fundo só tenho dramas triviais e básicos. 
Ele normalmente percebe-me, ou apenas só me ouve lamentar. Creio que em tempos substitui esta personagem masculina, bonita e atraente por dois irmãos que nunca conheci, e na minha imaginação de criança sempre me acompanharam. Nunca os neguei. Sempre achei que de facto me acompanhavam. São uma espécie de anjos-da-guarda que sabem que vou sempre muito sozinha. Numa suposição minha que eles entendem, por isso me acompanham. 
A verdade que estes amigos imaginários numa mulher de 30 anos fazem-me parecer mais louca do que gosto de o ser. Mas eles, estas figuras masculinas sempre foram presentes em momentos de desequilíbrios emocionais. E na verdade sempre tive muitas rejeições e uma vida amorosa muito à base da faca nas costas, de adaga no coração, de garfos espetados nos olhos e muita self pity. E como a maioria das pessoas me vê forte porque eu imponho muitas vezes a mim mesma essa imagem de pilar do Egipto. Sempre munida de humor e risos rasgados. Uma farcinha para uma sociedade que não acredita em fado, fui-me tornando calada nestas coisas. Passei a ter amigos imaginários a quem conto o que correu mal e eles ouvem-me. Eu ainda termino a conversa a dizer como me vou levantar do chão e tornar-me mais forte. Sozinha. 

Passei muito tempo sem eles, desde o abismo "João", andei muito ocupada com hobbies que estes fantasminhas desapareceram. 
Mas. Nestes últimos tempos, desde que regressei de Santiago precisei de voltar a falar sozinha. De processar dúvidas e assuntos. Porque, mais uma vez, me senti diferente das outras mulheres. Voltei à realidade de todos me conhecerem. De fazerem perguntas que eu não sei responder.
Como não me posso queixar sempre do mesmo tive de criar pequenos diálogos sobre: sim continuo solteira. Pois, não sei. Creio que não há volta a dar. Sim. Sou forte. Não faz mal. Só tenho é de gostar de mim. Sim. Os homens não prestam. Estou bem assim. Encontrei um equilíbrio. Eu sou assim, diferente.
Na semana passada, já o meu sexto sentido apitava há meses... o inevitável aconteceu. Ela precisa de se afastar porque gosta de mim, de outra forma. Eu mais uma vez, para não chatear muito ninguém ou porque não quero falar muito sobre o assunto. É estranho. Voltei a falar sozinha. O meu homem hollywoodesco  disse-me que vai ficar tudo bem. Porque sabe que desde que eu fui a cabo verde desenvolvi mais uma escotilha no subconsciente sobre "não me posso queixar e podia ser pior". 
Dei-me conta desde que regressei que sempre alguma coisa me corre menos bem eu penso: podia ser pior. Podia não ter um braço. Podia não ter uma mão ou ainda, podia ser uma criança em África sem nada para comer. 
Às vezes acho que estou a dar o tilt. Mas não. Estou longe disso porque criei ferramentas para o evitar. Sempre fui uma criança, adolescente, mulher diferente. De ideias pouco ortodoxas? Talvez. 
Só criei um mundo onde não estou sozinha, mesmo que a sociedade o dite. E na verdade, podia ser pior!