sábado, 28 de julho de 2018

One more time

Tinha 4 anos e um coração de ouro preso na orelha. O olhar estava vazio. Sem emoção. Não havia sorriso. Só dois pequenos lábios fechados. Ombros que mostravam alguma timidez. Algum desconforto. Camisola cor-de-rosa, vestida com as costas para a frente. Desde pequena que decidi que era eu que me vestia, sem ajudas. Uma paisagem idílica com um sol a pôr-se: a tela do fotógrafo que deve ter varrido todas as escolas da região.
Não me roubou um sorriso. Eu achava que era de sorriso fácil! “A menina mais menina que conheço”, conta a minha mãe. Era assim que me descreviam. E nem um sorriso. Talvez não soubesse o que me esperava.
Hoje sinto que sou a mulher mais menina e deslocada que conheço. Hoje tenho aquele olhar. Aquele coração pendurado no brinco. Deslocado do sítio certo. Ou no sítio certo mas a doer-me por vê-lo vezes sem conta, fora. Pendurado nas mãos de alguém. Contínuo de sorriso fácil. Hoje ao olhar-me com quatro anos reconheço as sardas. Os lábios finos. O olhar vazio. Ombros em baixo. A timidez de quem já não sabe confiar novamente.  Se pode confiar. Não tem compensado. Sei no entanto vestir-me sozinha sem trocar o lado da camisola.
E sei também, o que me espera.
Cresci.