terça-feira, 15 de julho de 2014

Eu sei que errei Ana, mas tu falhaste-me.

"as ideias perturbam o equilíbrio da vida". Eu, tenho para mim, que as ideias perturbam o equilíbrio do sono, pois é à noite que me apodero da totalidade egoísta do silêncio, do espaço que não me me limita os gestos, do campo livre de onde saltam lembranças como pipocas. À noite teço conversas imaginárias que nunca terei, construo lógicas que vou rebater na lua seguinte e desconstruo as minhas próprias razões. À noite sou parda, invisível e muda e nessa coisa nenhuma, há uma luz que se acende e que coloca estradas de possibilidades no meu horizonte. À noite, tenho um cansaço imenso no corpo, um peso terrível nos olhos, uma lentidão de câmara lenta nas mãos e, no entanto, a minha cabeça gira a 75 rotações, a plantar coisas na retina, a semear representações nos imaginários que crio, a responder às perguntas que me coloco, a lembrar tudo - mas mesmo tudo -, nos detalhes insignificantes que o tempo se encarregou de fossilizar sem que eu perceba sequer porquê. A noite é má conselheira, dizem, mas faz óptima companhia.



terça-feira, 8 de julho de 2014

rugas

Envelheci muito nestes últimos meses. Envelheci muito. Mais do que nos últimos anos. 
Tenho rugas. Rugas pelo corpo todo. São rugas de muitos momentos vividos. Ora amargos, ora doces. Momentos marcados nos sorrisos, nas lágrimas, nos gemidos, nos silêncios, nos olhares, nas mãos que se encontram e cruzam. No abraço que consola, nos lábios que iludem. Momentos marcados nas pregas do rosto, no peito, na barriga, ora cheia ora vazia. Rugas de momentos que subsistem na memória. Momentos que fazem o leme fraquejar, que pregam os olhos ao chão, que fecham o sorriso e embaciam o olhar de lágrima fácil.

Envelheci muito. Há mágoas e alegrias. Foram momentos. Parecem-me distantes agora. Fizeram-me rugas. As rugas ficam, marcam o caminho dos momentos, traçam a vida das memórias.
Há rugas pelo corpo todo. Rugas de quem se deu, de quem o sangue pediu. Rugas que em dia de tormentos despertam saudade no espelho. Rugas que me fazem lembrar-te numa memória que passou, mas que não me saem do rosto, do corpo. Eu sinto-as e elas prendem-me a ti.

a ver se funciona


terça-feira, 1 de julho de 2014

rewind

Tinha cinco anos, diria eu. Era doce, cabelo castanho claro ondulado. Encostou-se a mim enquanto eu joga no telemóvel e disse-me "Olá". Ficamos as duas na minha imaginação. Chamaram pelo nome Ana João Araújo Fernandes e eu vi-a levantar-se e dirigir-se à senhora. Fiquei. Vi.

Hoje fiz pela primeira vez uma TAC à cabeça. As dores de cabeça têm sido constantes. Em tom de despiste e de forma a aumentar a preocupação, deite-me na maca. A respirar contidamente vi aquele aparelho mexer-se sobre a minha cabeça. A conversa da senhor era sobre o stress que eu não podia ter, ora eu não sou casada e não tenho filhos.
No fim perguntei-lhe timidamente se estava tudo bem. Disse-me: "é.. vai correr tudo bem. Sabe que a técnica que lhe fez a TAC teve um aneurisma". Continuou a falar e o que eu ouvi foi: "Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii". Sério? Sensibilidade, sabe o que é?

Enquanto organizava o meu disco externo encontrei um texto escrito por mim em 2011. Lindo. Andava eu à procura de mim. Não mudei nada:

«Como se aprende a flutuar sobre o abismo na indecisão, das perspectivas de futuro ou da ausência delas? De alguma forma vou ter de aprender, vou saber superar, aliás, vivi 24 anos a trabalhar para o momento em que termino o curso. É engraçado como tudo nos leva a esforçar por uma educação superior. Começamos bem pequeninos, eu aos 5 anos. Antes dos 5 em casa, somos incentivados a sermos espertos, despachados, a aceitar a opinião dos adultos. Aos 5 anos na escola aprendi as primeiras letras. E foi o início de uma longa caminhada, a caminhada para a sabedoria, pensam os de fora. Eu não tenho tanta certeza assim.».