terça-feira, 21 de maio de 2013

Només # 4

«Només em terras catalãs era palavra negra, palavra só, assim um pouco como ele. 
Sempre o foi, o mar quis assim. Isso fez dele menos certo, menos crente, menos Ele.

Cresceu entre todos os pobres da aldeia e ricos em amor. Correu pelas ruas de mãos dadas com Maria, Alonso e Joaquim. De sonhos alheios deixaram cair por terra o desejo de saírem de Barceloneta juntos. Foram os livros de Només que os fizeram querer conhecer mais e foram eles que criaram fendas que nunca mais se fecharam.

O amor por Maria separou os três e destruiu-os nas suas fraquezas mais profundas. Alonso e Joaquim ficaram presos aos dissabores da terra onde cresceram. Já Només o destino fez-se diferente. Rumou a Portugal sem rumo e de aliança com um galego que lhe deu o mundo, que o transformou, mas que nunca lhe conseguiu concertar o que o mar e o amor lhe causaram.

Depois de homem feito e formado pela Invicta e por Cármen, a irmã do galego doutor Humberto, que criara por ele uma paixão que a consumira a ela e o desgastara a ele, que ditou os caminhos dele. Sempre com o apoio do Doutor Humberto deixou o Porto e abraçou Paris. Aí encontrou os grandes amigos de uma vida. Aí sentiu-se maior. Conquistou a escrita e as mulheres, conquistou a juventude e perseguiu Maria, o seu grande amor. Percebeu, depois do primeiro reencontro que o primeiro amor, aquele que para sempre lhe aqueceria a alma como nenhum que fosse capaz de sentir, era o oásis que se espera e nunca se encontra. 

Foi ali, com Maria grávida por outro homem, menor que ele, que quis abandonar a forma de vida que tinha e encontrar a que o Només carregava. Optou pela solidão numa pequena casa da costa portuguesa. 
Fechado numa vida sem sabor, começou a escrever, aquilo que sempre carregara aos ombros, mas que até ali nenhuma serenidade possuía para o começar a fazer.

Moldou a nova vida e a nova casa ao que vivera na Invicta e em Paris. No acaso e momento de desespero de Matilde, voltou a tocar o mundo. Voltou a senti-lo e recomeçou. Recomeçou por pedir perdão por sucessivos abandonos e não retornos. Percebeu que o amor de criança estava disponível por fim. Optou por não o querer, preferia um coração sozinho que um amor demasiado desejado. Não podia magoar mais ninguém, sabia que o preço seria alto em alguma curva da vida.
Ficou com Matilde, com a escrita e com a vida sem emoções que já não queria nele, porque já era pontualmente feliz.»

A. Jorge Feliciano

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