quinta-feira, 15 de novembro de 2012

uma história desencantada


Será que algum dia se arrepende?
“Arrepende” pode não ser a palavra correcta, pois pode não ser mau aquilo que uma dia se venha a aperceber.
Sim, “aperceber” é a palavra.
Será que um dia se apercebe?
Bem, mas arrepender certamente não, são 96480 minutos de respirações constantes, de pensamentos e impulsos eléctricos de neurónio em neurónio. É uma carga de conversas e olhares, é tempo, não uma infinidade dele, mas é tempo.
Se fizesse o desenho no papel ou se torná-se a história em conto para uma criança de 4 anos, ela iria achar que era a pior história de sempre. O melhor seria transformar numa fábula e explicar que o burro é isso mesmo e a princesa era uma ostra, porque no final, deixou-se calar.

«Era uma vez uma princesa e um burro. Eram amigos, parecidos, eram fáceis e bem-dispostos. O burro tinha um sonho: ser o cão da pedra; e a princesa secretamente sonhava ser mais, numa maneira despreocupada. O tempo passou e eles ficaram amigos, não era improvável. Um dia o burro armou-se em carapau e princesa em bruxa má. Estragaram tudo, não era para ser assim. O burro cumpriu o seu sonho e tornou-se um cão de verdade, e a princesa assustada, envergonhada e arrependida transformou-se em ostra, calou-se e fechou-se para conseguir manter a pérola dela lá. Ficou triste, a pérola, o coração menos vermelho, perdeu um amigo e olhares tortos dos animaizinhos da floresta. Mas a natureza da princesa era ser forte e determinada, não era ser ostra nem bruxa má. Então quis ir para a guerra e largar a perola no chão, se fosse preciso. Tinha de recuperar os animaizinhos da floresta! Na primeira batalha sentiu-se sozinha e perdeu-a. Na segunda batalha ouviu alguns animaizinhos, foi lutar pelos outros e no final de contas, levou alguns coices mas conseguiu um empate. Hoje ainda está em guerra com o cão, é uma guerra mais silenciosa e mais só, muitas vezes passa por impor com ironias verdades que lhe doem, sorrisos sarcásticos, opiniões censuradas e distância… muitas distâncias.
Hoje é menos ostra, menos princesa, menos ela, é um facto. Mas ele, ele é um burro de trela e açaime. A bruxa má nela fica a mirá-lo de alto, a princesa fita-o de olhos molhados e depois crava-os no chão, triste por vê-lo perseguir um sonho de ser cão que não lhe fica bem.»

Sabendo eu que os 58000000 segundos chegam para tocar com o queixo no chão e magoar, entendo que ele compreendeu e percebeu que o arrependimento por ter perdido uma amiga, por ter se ter permitido a magoa-la a ela, que o ouviu e quis ser amiga dele, não o atingiu de verdade. Bem, isso faz-me querer chorar. Depois faz-me querer chuta-lo por ser assim, porque não era suposto. Não foi isso que ela viu nele. Ela viu alguém bom! Agora que eu penso, viu o que não existe, viu a miragem e o que quis ver.
Ficar triste por isso, ela permite-se, porque perdeu o amiguinho de brincadeiras, de copos, de música, de tudo. Perdeu um amigo porque confundiu tudo e foi crucificada.
O que tem para ele? Não sabe. Depende dos dias. Há dias que lhe apetece percebe-lo e aceita-lo. Há dias que cuspir-lhe na boca por a ter riscado da vida dele, é tudo que o resta nela. E ainda há dias, que sente pena. Pena pelos dois. Pena por todos! Por terem confundido tudo, magoado todos e por terem criado elefantes gigantes entre eles.


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