«Numa primeira inspiração sobre o que a segura aqui, sente que é tudo. Numa segunda inspiração começam a aparecer as excepções. Após uns segundos, é o "quase nada" que lhe enche os pulmões.
Apesar de ter sido um ano vivo, as inseguranças mordem-lhe os medos, causam-lhe desconforto. O formigueiro nos ossos que prevêem o frio, vem em vagas e teme que seja um ano atípico, a excepção à regra, porque uns vão, outros desaparecem com o rumo das próprias vidas e os que cá ficam, ficam e não podem abraça-la de peito aberto, de coração sentido e de braços apertados. Os abraços ficam-se pelo despedir lento, do que havia mais para dizer sem nada da boca sair... Em silêncio, tudo absorvido em sons tristes de pés que se afastam contrariados e pouco paralelos no movimento, em forma de protesto.
Enquanto caminha e se afasta , enquanto sente degrau por degrau, os violinos começam a ajeitar-se ao queixo, a melodia forma-se no exacto momento que tudo em conjunto se move: o batimento do pé, o arquear dos dedos, as vibrações das cordas, a força do arco, o som produzido com o eco na pequena caixa oca de madeira, o delicado e sensual movimento do corpo, a dança ritmada da cabeça e o fluir do queixo. Tudo por um som sublime. Tudo num movimento orquestrado, apaixonado que nos permite fechar os olhos e senti-lo sem o ver.
E de olhos fechados quase tudo é mais fácil. O sentir. O cheirar. O querer ficar aqui, na pele quente da face com face, de mãos nas mãos, no balançar do calor que consome e que arde mesmo de olhos fechados.
São três segundos de sorrisos nos lábios que a fazem sempre querer voltar por mais e por mais tempo, e por mais intensidade, e por mais definição, por mais e mais.
"Talvez na tua fantasia, talvez no teu sonho acordado, quem sabe fosse amanhã o dia de ouvir violinos no telhado."
E faz-lhe quer ficar pelo tudo, pela excepção, pelo "quase nada"... apenas a faz querer ficar.»
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