Experimentar ser aquilo que todos os ossinhos, tendões e bom senso
negam-me, foi certo.
A Cão riu-se porque sabe que não sou tão aventureira assim, que há uma
menina gigante em mim que tem medo do escuro.
Mas reinventar-me dá-me força e por isso foi um São João de pernas para o ar, a
40 metros de altura a bracejar loucamente para tentar encontrar organização na
desorganização de uma coreografia simples, que sem os pés na terra fica de tal
forma inexequível que parecia uma espécie de performance em pontas. Larguei uma
gargalhada, vi ao contrário a cidade iluminada, ouvi a música abafada pelo som
do motor da grua que nos içava, e tentei aproveitar aquele momento, sei que
fechei os olhos e cantarolei qualquer coisa ao som daquilo tudo! Confesso que
nos ensaios temi um pouco pela minha vida, confiar no material e nos espanhóis
que fechavam os arneses e os cintos com sorriso nos lábios a chamarem-nos “chica
e chicos” com uma leveza que nos faziam sentir que subir 40 metros é coisa de
meninos, não foi fácil agarrar essa confiança de actor circense que vê na
aventura o ar que respira! Com os ensaios o friozinho da barriga foi
desaparecendo e dar a tal volta, pôr a cabeça pendurada e os pés desapoiados a hesitar
no ar, fora do seu tão amado chão, foi tornando-se fácil.
Os tremores no último
ensaio tinham desaparecido e pendurar a cabeça era já um divertimento que se
avistava demasiado bom para acabar em poucas horas. E assim foi, o espectáculo
aconteceu à velocidade da luz, ainda bem que agarrei aqueles minutos em mim,
porque o tempo voou e a actriz circense em mim que gostou das acrobacias
extinguiu-se com as badaladas das 23 horas. Cansada, com alguns hematomas na
cabeça (levei com a pata do cavalo), no sítio dos cintos (eu pedia para apertar
bem, não fosse ele ceder e eu pequena pluma não tinha trem de aterragem) e nas
pernas para subir e descer do bota-fumeiro, senti-me feliz por ter deixado a
aventura comandar os últimos 3 dias.
Coisas que ficam, a Cão sempre ao meu lado, não sei onde vai buscar aquilo nela, parece-me
sempre pequenina aos meus olhos e sossegada, e eu tento sempre protegê-la, mas
acho que é sempre ao contrário que as coisas acontecem. Não sei, mas não diz a
bota com a perdigota! É ela e o Hugo, como é que é possível?! Aquele senhor um
pouquinho saloio, com sotaque de Chaves ou algo assim, com um sinal de rotunda
(pequenina), com expressões caricatas, estava a coordenar os coros de crianças,
mas com tanta pinta e doçura que apaixonei-me por ele, aquele Hugo sensível que
encantava as crianças e elas a ele, foi belo! Queria ter-me aproximado, dar-lhe
um abraço e dizer-lhe que foi fantástico e eu adorei! Gosto de pessoas assim,
mágicas, com capacidades que eu não previ e não está lá à superfície, mas no intrínseco
de cada um!
Sem manjerico nem martelinhos, mas mui belo, guapo e cheio de risinhos!
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